5.2 Equações Diferenciais de $1^ a$ ordem

Uma equação diferencial ordinária de 1${{}^ a}$ ordem é uma equação do tipo

  \begin{equation}  y^{\prime }=f(x,y) \label{edoprim1}\end{equation}   (5.1)

onde $f:\Omega \mathbb {\rightarrow R}$, é uma função dada e $\Omega \subset \left( a,b\right) \times \mathbb {R}$ é um conjunto aberto; $x$ é uma variável independente, pertencente ao intervalo $\left( a,b\right) , $ com $a,b$ números reais $a<b;$ e $ y=y(x)$ é a variável que depende de $x$. Qualquer função $y=\phi (x)$ que satisfaça a edo (5.1) é dita solução dessa equação. Isto é, se $y=\phi (x)$ é solução então ela satisfaz

  \begin{equation}  \dfrac {d\phi }{dx}=f(x,\phi (x)), \, \, \,  a\leq x \leq b.\label{edopr}\end{equation}   (5.2)

Podemos impor uma condição inicial para essa equação, qual seja,

  \begin{equation}  y(x_{0})=y_{0}, \label{edoprim2}\end{equation}   (5.3)

quando consideramos a equação diferencial (5.1) junto com a condição inicial (5.3) então dizemos que se trata um problema de Cauchy. Condições são colocadas sobre a função $f$ de modo que o problema de Cauchy

  \begin{equation}  \left\{  \begin{array}[c]{c}y^{\prime }=f(x,y),\  \  x\in (a,b)\\ y(x_{0})=y_{0},\  x_{0}\in (a,b),\  y_{0}\in \mathbb {R}\end{array} \right.\label{probcauchy} \end{equation}   (5.4)

tenha uma única solução. À priori, a nossa função $f$ pode ser qualquer função de duas variáveis. Mas para se garantir existência de soluções da equação diferencial (5.1) $f$ teria de ser no mínimo contínua. Há dois teoremas importantes sobre existência de soluções que enunciamos a seguir.

Theorem 106 (Picard). Se $f$ de $\dfrac {\partial f}{\partial y}$ forem contínuas num domínio retangular $R=\{ (x,y)\in \mathbb {R}^2: |x-x_0|<a, |y-y_0|<b\} $ então há um intervalo $|x-x_0|\leq h<a$ no qual existe uma única solução $y=\phi (x)$ satisfazendo a equação diferencial (5.1) e as condições iniciais (5.3).

Theorem 107 (Peano). Se $f$ é contínua num domínio retangular $R=\{ (x,y)\in \mathbb {R}^2: |x-x_0|<a, |y-y_0|<b\} $ então há um intervalo $|x-x_0|\leq h<a$ no qual existe pelo menos uma solução $y=\phi (x)$ satisfazendo a equação diferencial (5.1) e as condições iniciais (5.3). Mas nesse caso, não se garante unicidade.

Por exemplo, dada a equação diferencial ordinária

  \[  y^{\prime } =xy^{1/2}, \quad y(0)=0  \]    

então $y=\dfrac {x^4}{16}$ é solução dessa equação, pois, $y^{\prime }=\dfrac {x^3}{4}$ e $xy^{1/2}=x\left(\dfrac {x^4}{16}\right)^{1/2}=\dfrac {x.x^2}{4}=\dfrac {x^3}{4}$. Note que essa solução não é única, já que $y=0$ é também uma solução da equação diferencial junto com as condições iniciais.

Example 108. A relação $x^2+y^2=25$ é uma solução implícita da equação diferencial

  \begin{equation}  \dfrac {dy}{dx}=-\dfrac {x}{y}\label{edoimp} \end{equation}   (5.5)
no intervalo $-5\leq x\leq 5.$

De fato, por diferenciação implícita, temos

  \[  \dfrac {d}{dx}[x^2+y^2]=\dfrac {d}{dx}(25)  \]    

ou

  \[  2x+2y y^{\prime }=0 \Rightarrow y^{\prime }=-\dfrac {x}{y}.  \]    

Além disso, resolvendo $x^2+y^2=25$ para $y$ em termos de $x$ obtemos $y=\pm \sqrt{25-x^2}$ as duas funções $y=\phi _1(x)=\sqrt{25-x^2}$ e $y=\phi _2(x)=-\sqrt{25-x^2}$ são soluções explícitas da edo (5.5) no intervalo $-5\leq x\leq 5.$

No caso mais simples em que a função $f$ é linear em relação a variável $y$ a nossa equação diferencial de 1${{}^ a}$ ordem se apresenta na forma

  \begin{equation}  y^{\prime }=\alpha (x)y+\beta (x) \label{edoprim3}\end{equation}   (5.6)

onde $\alpha $ e $\beta $ são funções reais quaisquer definidas no intervalo $\left( a,b\right) $. Se supomos que $\alpha $ e $\beta $ são funções cont\'{\i }nuas em $\left( a,b\right) $ então esta equação tem uma resolução bem simples, pois se consideramos primeiro a equação linear homogênea associada à equação (5.6), isto é,

  \begin{equation}  y^{\prime }=\alpha (x)y \label{edohom}\end{equation}   (5.7)

podemos escrever tal equação na forma

  \[  \frac{y^{\prime }}{y}=\alpha (x)  \]    

integrando em $x$ temos

  \[  \ln y=\int ^{x}\alpha (s)ds+c_{1},  \]    

onde $c_{1}$ é uma constante arbitrária, segue que

  \begin{equation}  y(x)=Ce^{\int ^{x}\alpha (s)ds} \label{edohomsol}\end{equation}   (5.8)

é uma solução da equação homogênea (5.7) com $C=e^{c_{1}}.$ Usando agora o método de variação dos parâmetros para $y$ dada em (5.8) temos

  \[  y^{\prime }=C^{\prime }e^{\int ^{x}\alpha (s)ds}+C\alpha (x)e^{\int ^{x}\alpha (s)ds} \]    

substituindo tal resultado em (5.6) obtemos

  \[  C^{\prime }e^{\int ^{x}\alpha (s)ds}+C\alpha (x)e^{\int ^{x}\alpha (s)ds}=C\alpha (x)e^{\int ^{x}\alpha (s)ds}+\beta (x)  \]    

segue que

  \[  C^{\prime }e^{\int ^{x}\alpha (s)ds}=\beta (x)  \]    

o que nos dá

  \[  C^{\prime }=\beta (x)e^{-\int ^{x}\alpha (s)ds} \]    

da\'{\i }

  \begin{equation}  C=C_{0}+\int ^{x}\beta (s)e^{-\int ^{s}\alpha (t)dt}ds \label{edoprim4}\end{equation}   (5.9)

onde $C_{0}$ é uma constante arbitrária. Logo, $y$ dada por

  \begin{equation}  y(x)=Ce^{\int ^{x}\alpha (s)ds} \label{edoprim5}\end{equation}   (5.10)

onde $C$ é definida em (5.9) é a solução geral de (5.6).

Vejamos alguns modelos matemáticos de algumas edos que podem ser físicos, biológicos, químicos, etc.

Crescimento Populacional

Modelo de Malthus

Se $P$ representa a população numa certa região num determinado instante $t$ então

  \[  \dfrac {dP}{dt}=kP \, \,  ( k \, \, \mbox{constante de proporcionalidade})  \]    

Modelo de Verhulst

  \[  \dfrac {dP}{dt}=(r-aP)P  \]    

onde $r$ e $a$ são constantes.

Decaimento Radioativo

A taxa $\dfrac {dA}{dt}$ a qual o núcleo de uma substância decai é proporcional à quantidade $A(t)$ da substância remanescente no instante $t$

  \[  \dfrac {dA}{dt}=kA \, \,  (k<0)  \]    

Remark 109. Uma única equação diferencial pode servir como modelo matemático para vários fenômenos diferentes. Modelos matemáticos são frequentemente acompanhados por determinadas condições laterais. Por exemplo para o modelo de crescimento populacional esperaríamos conhecer a população inicial $P_0$ e no modelo de decaimento radiativo a quantidade inicial da substância radioativa.

Lei de Resfriamento de Newton

De acordo com a Lei empírica de Newton do resfriamento, a taxa segundo a qual a temperatura de um corpo varia é proporcional à diferença entre a temperatura do corpo e a temperatura do meio que o rodeia, denominada de temperatura ambiente. Nesse caso, se $T$ é a temperatura do corpo e $T_ m$ é temperatura do meio ambiente então

  \[  \dfrac {dT}{dt}=k(T-T_ m) \, \,  (k<0).  \]    

Disseminação de uma doença

Uma doença contagiosa espalha-se numa comunidade através do contato entre as pessoas. Seja $x(t)$ o número de pessoas que contraíram a doença e $y(t)$ o número de pessoas que ainda não foram expostas. É razoável supor que a taxa $\dfrac {dx}{dt}$ segundo a qual a doença se espalha seja proporcional ao número de encontros ou interações entre esses dois grupos de pessoas. Se supormos que o número de interações é proporcional ao produto $xy$ então

  \[  \dfrac {dx}{dt}=kxy  \]    

$k$ é a constante de proporcionalidade. Se a comunidade tem uma população fixa de $N$ pessoas. O número de $y$ é $y=N-x$. Assim

  \[  \dfrac {dx}{dt}=kx(N-x)  \]    

se no instante inicial haviam $x_0$ pessoas infectadas então $x(0)=x_0.$

Misturas

No instante $t=0$, um tanque contém $Q_0$ kg de sal dissolvido em $V_0$ litros de água. Uma solução de sal em água com $Q_1$ kg de sal por litro entra no tanque a uma razão de $v$ litros por minuto e a solução do tanque, bem misturada, sai a mesma razão. Seja $Q(t)$ a quantidade de sal no tanque num instante $t$. A taxa de variação da quantidade de sal no tanque, no instante $t$, $\dfrac {dQ}{dt}$, é igual à taxa na qual o sal entra no tanque, menos a taxa na qual o sal sai do tanque. Logo,

  \[  \dfrac {dQ}{dt}=vQ_1-\dfrac {v}{v_0}Q(t).  \]    

Mecânica

A lei do movimento de Newton diz que

  \[  F=ma  \]    

$F$ é a força externa, $m$ é massa, $a$ é a aceleração. Para um corpo que cai livremente num vácuo, e bastante próximo da terra, temos que

  \[  w=mg  \]    

onde $w$ é o peso do corpo, $m$ é massa do corpo e $g$ é a aceleração da gravidade. Mesmo que a massa do corpo permaneça constante, seu peso, e a aceleração da gravidade, alteram-se com a distância ao centro do campo gravitacional da terra. Para um corpo muito distante da terra

  \[  w=\dfrac {k}{(R+x)^2},  \]    

$k$ constante. Em $x=0$, temos que $w=mg$ então $k=mgR^2$ e, portanto,

  \[  w=\dfrac {mgR^2}{(R+x)^2}.  \]